Microagressões de gênero no ambiente de trabalho

As microagressões correspondem a comentários, atitudes ou comportamentos sutis, frequentemente não intencionais, que revelam preconceito vinculado à identidade de uma pessoa, podendo envolver um ou mais marcadores sociais, como raça, gênero, idade, deficiência, aparência física ou origem social. Ao contrário da discriminação explícita, as microagressões se manifestam sob a forma de observações casuais ou de supostas “piadas inofensivas”.

Essas condutas impactam o bem-estar dos trabalhadores, gerando sentimentos de isolamento, queda na satisfação, problemas de saúde física e mental e até a síndrome do impostor, quando o indivíduo passa a acreditar que não pertence ao ambiente profissional ou que não é valorizado.

Embora possam atingir qualquer pessoa, incidem com maior frequência sobre grupos historicamente vulneráveis. As mulheres, em especial, enfrentam esse tipo de violência em ambientes dominados por homens ou quando ocupam posições de liderança, em que são comuns interrupções, desconfianças quanto à competência e formas de tratamento infantilizadas ou sexualizadas.

O relatório Women in the Workplace 2023, elaborado pela McKinsey e pela LeanIn.Org, confirma: as mulheres têm o dobro de probabilidade de serem interrompidas e de ouvir comentários depreciativos sobre seu estado emocional em comparação aos homens no ambiente de trabalho.

Abaixo apontamos alguns exemplos de microagressões de gênero, também chamadas micromachismos, que, mesmo sutis, comprometem o desenvolvimento profissional das mulheres podem ser citados.

Um exemplo disso é o chamado duplo padrão de julgamento, que ocorre quando comportamentos idênticos recebem avaliações distintas conforme o gênero. Mulheres que se comunicam de maneira firme são estigmatizadas como agressivas, instáveis ou autoritárias. Já homens com o mesmo estilo são vistos como confiantes e líderes. Essa assimetria reforça estereótipos, desvaloriza a competência feminina e ergue barreiras à igualdade no trabalho.

Pode ser citado também o manterrupting, cujo termo resulta da junção de man (homem) e interrupting (interromper) e refere-se à prática de homens interromperem mulheres em reuniões, apresentações ou conversas sem justificativa, impedindo-as de concluir suas falas. O hábito prejudica a comunicação, desvaloriza a contribuição feminina e reforça o silenciamento.

Estudo da Northwestern University (2017), que analisou 15 anos de sustentações orais na Suprema Corte dos EUA, mostrou que ministros interrompem ministras três vezes mais do que colegas homens.

Em palestra na Universidade de Nova York, a juíza Sonia Sotomayor ressaltou a importância da mulher de manter a clareza e a firmeza para garantir o direito de concluir o raciocínio. Além disso, recomendou respostas profissionais e equilibradas, bem como a criação de redes de apoio que fortaleçam a voz feminina e favoreçam ambientes de fala mais igualitário.

Outra prática que configura uma modalidade de microagressão é o mansplaining. Combinação de man (homem) e splaining (explicar), descreve a atitude de um homem que, ignorando o conhecimento da mulher, tenta explicar algo que ela já domina, muitas vezes até com maior profundidade.

O mansplainer ou “o homem explicador”, trata as mulheres como intelectualmente inferiores, explicando-lhes de forma simplificada temas óbvios ou pertencentes ao seu próprio campo de domínio. Longe de ser apenas irritante, o mansplaining abala a confiança e pode comprometer o desenvolvimento profissional das mulheres.

Podemos incluir também o negging no rol das microagressões. Originado da expressão negative compliment (“elogio negativo”), descreve uma manipulação emocional que enfraquece a autoestima por meio de comentários aparentemente inofensivos, mas que diminuem ou colocam em dúvida a competência da vítima. São exemplos frases como: “Não sabia que você conseguiria terminar tão rápido! Estou surpreso, viu? ” ou “Até que você se saiu bem nessa apresentação… pra quem nunca fala direito, foi ótimo! ”

O negging cria ambiente tóxico, gera estresse e conflitos, aumenta a rotatividade e impacta produtividade e engajamento. Além disso, pode trazer repercussões jurídicas se caracterizar padrão discriminatório ou assediante.

Já o bropriating resulta da fusão de bro (irmão) e appropriating (apropriar-se). Ocorre quando um homem se apropria de ideias apresentadas por uma mulher e recebe reconhecimento por elas. É frequente em reuniões: a mulher propõe uma solução e é ignorada; pouco depois, um colega repete a mesma ideia e recebe aplausos. Essa prática reflete o machismo estrutural, que valoriza mais a fala masculina, e aparece em empresas, universidades, artes e política.

Para enfrentá-la, recomenda-se reivindicar autoria, registrar ideias por escrito e adotar a prática da amplificação, em que aliados reforçam a legitimidade da fala feminina. Redes de apoio também são fundamentais para combater o silenciamento.

Por último, mas sem querer esgotar o tema, comentários machistas, muitas vezes travestidos de humor, reforçam estereótipos e desqualificam a competência feminina. Expressões como “ela deve estar de TPM” ou “mulher não aguenta pressão” sustentam a ideia de que homens seriam naturalmente mais aptos à liderança.

Essas falas afetam a autoestima, dificultam promoções, desencorajam a participação e podem contribuir para a síndrome da impostora. Mesmo expressões aparentemente inofensivas, como “tia”, “filha”, “linda” ou “flor”, quando usadas em contextos formais sem vínculo de intimidade, podem soar desrespeitosas. Já diminutivos como “mocinha” ou “as meninas do Jurídico” infantilizam profissionais e enfraquecem sua autoridade.

As microagressões de gênero ou micromachismo reforçam estereótipos, silenciam vozes femininas e prejudicam autoestima, credibilidade e oportunidades profissionais. Apesar de parecerem inofensivas, podem configurar assédio moral e justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho, além de condenação por danos morais ou materiais, quando a sua prática for capaz de causar efetivo prejuízo à dignidade e à integridade psíquica da trabalhadora.

Combatê-las exige conscientização individual e coletiva, fortalecimento de redes de apoio e compromisso institucional com ambientes inclusivos. Enfrentar o micromachismo não é apenas corrigir condutas isoladas, mas transformar culturas organizacionais, garantindo igualdade de oportunidades e valorização profissional das mulheres.

*Carla Reita Faria Leal e Mauro Roberto Vaz Curvo são membros do Grupo de Pesquisa sobre Meio Ambiente do Trabalho da UFMT, o GPMAT.

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